OCITOCINA: O HORMÔNIO DO AMOR
25 de junho de 2015 às 11:44
Guestpost da Quésia Villamil, obstetra
A ocitocina é o principal hormônio responsável pelo parto em mamíferos. É ela quem promove as contrações uterinas, que provocam a dilatação do colo uterino e a descida do bebê no canal da pelve feminina.
Mas a ocitocina é muito mais que o hormônio do parto. Sim, o parto é o momento em que ocorre a maior liberação de ocitocina corporal, mas este hormônio tem muitas outras funções. Inúmeras pesquisas estão acontecendo em todo o mundo e cada vez mais se sabe sobre a importância da ocitocina na sociedade humana.
A ocitocina é o hormônio do amor. É o hormônio que faz com que um indivíduo se sinta atraído por outro específico, que o deseje, que sinta vontade de ficar com ele, de estar próximo. Também é o hormônio da fidelidade, responsável pela capacidade de manutenção de um parceiro fixo.
A ocitocina é liberada durante o orgasmo, tanto feminino quanto masculino. Na mulher promove contrações uterinas e no homem contração dos ductos seminíferos e ejeção do sêmen. A ocitocina é o hormônio do prazer.
A ocitocina liga mães e bebês através da amamentação, pois é chave essencial na liberação de leite pelas glândulas mamárias. Durante cada mamada, a liberação de ocitocina pelo cérebro feminino, além de promover a contração das glândulas mamárias e a ejeção do leite, também causa profunda sensação de prazer e relaxamento materno, pois a ocitocina age nas células cerebrais do sistema límbico – relacionado às emoções. É por isto que as mamíferas se entregam aos bebês de uma maneira tão instintiva durante o período de lactação.
Mas a ação da ocitocina no cérebro humano vai além das funções reprodutivas. É o hormônio das relações, que torna a pessoa capaz de se doar por outra, de se agrupar, de se socializar. É o hormônio do altruísmo, da honestidade.
A ocitocina é um nonapeptídeo – proteína composta por nove aminoácidos – descrita pela pelo pesquisador britânico Henry Daly em 1906. Pesquisas recentes no campo das neurociências revelaram que a ocitocina é a responsável pela ética nos negócios, por isto foi recentemente chamada de “A molécula da moralidade” por Paul Zack, autor de best seller sobre o tema.
O grande mistério que envolve esta molécula é sua produção e liberação. Sabe-se que ela é produzida pelo hipotálamo e armazenada em pequenas vesículas na neuro-hipófise, de onde é liberada para ação tanto no cérebro quanto em outros órgãos. Muito se tem estudado sobre fatores que influenciam a produção e liberação de ocitocina na corrente sanguínea, mas ainda existem muitas dúvidas.
A liberação de ocitocina por mulheres, durante o trabalho de parto, é ação pouco controlada pela tecnologia. Entretanto, observa-se que simples ações, como garantir privacidade e pouca interferência, aumentam a intensidade das contrações uterinas, sugerindo aumento da ação do hormônio nas fibras musculares do útero.
O que se sabe é que luz, barulho, odores fortes e quaisquer outros estímulos que estimulem o neocórtex – porção do cérebro responsável pelo raciocínio complexo dos humanos – diminuem a velocidade de progressão do trabalho de parto, provavelmente por interferir na produção e/ou liberação de ocitocina.
Com o progresso da tecnologia farmacológica, a ocitocina foi sintetizada artificialmente e hoje é utilizada vastamente na obstetrícia, como um hormônio auxiliador durante o parto. Parece maravilhoso ter este hormônio tão essencial em uma ampola, poder utiliza-lo e gozar de todos os benefícios de sua ação celular.
Entretanto, apesar de tentador, o uso de ocitocina pode ser arriscado. Se, por um lado, o uso do hormônio artificial é capaz de corrigir partos disfuncionais, por outro, pode causar disfunção em partos fisiológicos que evoluiriam perfeitamente com o hormônio natural.
A ocitocina sintética permite que uma mulher com uma doença grave e que necessita que sua gravidez termine, passe pelo trabalho de parto de maneira muito similar a uma mulher que entra em trabalho de parto espontâneo. Desta forma, a ocitocina sintética promoveu um grande avanço no cuidado obstétrico. Porém, o uso indiscriminado desta droga trouxe um grande problema para a indústria do nascimento.
O uso indiscriminado da ocitocina artificial, com o objetivo de acelerar partos fisiológicos, simplesmente para que o processo fosse mais rápido e desta maneira tornar mais eficiente e objetivo o cuidado hospitalar às mulheres em trabalho de parto, promoveu aumento nas taxas de complicações e cirurgias intra-parto. Isto porque a ocitocina aumenta a intensidade e potência das contrações uterinas, aumentando o risco de alterações na frequência cardíaca fetal e no aporte de oxigênio para o feto, durante o trabalho de parto.
Ao mesmo tempo em que diminuir o tempo do trabalho de parto parece um argumento sedutor para o uso do hormônio artificial, usar de técnicas artificiais quando pode-se diminuir custos e riscos com o uso do hormônio natural parece um raciocínio paradoxal sobre a eficácia da tecnologia médica.
O uso de ocitocina artificial durante o trabalho de parto aumenta a chance de complicações não apenas para o recém-nascido, mas também para a parturiente: ela tem maior risco de apresentar hemorragia pós parto, pois como sua produção corporal de ocitocina não foi a responsável pelo parto, se corpo também não produzirá a quantidade necessária de ocitocina para contração do útero após a saída da placenta, o que causa sangramento aumentado.
Além disto, muito do prazer descrito pelas mulheres após o parto está relacionado à cascata de hormônios como endorfina e adrenalina, que são produzidos sinergicamente com a ocitocina, numa espécie de dança fisiológica, onde qualquer interferência exógena pode afetar sua perfeição.
A ligação da mulher ao bebê, sua capacidade de se doar, de se ligar ao recém-nascido, de vencer o cansaço e o sono, também tem relação com a ocitocina que ela produz. Desta forma, a enxurrada de hormônios que a mulher produz durante o trabalho de parto parece ser essencial para esta arrancada inicial na vida de recém-mãe.
O grande problema é que, com o uso artificial do hormônio, o corpo diminui a produção endógena, por uma questão de feed-back negativo: “se já tem, não produzo mais”. Isto pode explicar tantos problemas com sucesso no aleitamento materno e o aumento dos índices de depressão pós-parto nas sociedades industrializadas com uso indiscriminado de ocitocina artificial para acelerar o trabalho de parto.
A ocitocina é um hormônio maravilhoso, presente no dia a dia dos humanos e muito mais presente ainda nos eventos relacionados à reprodução de nossa espécie: sexo – parto – aleitamento. Somos capazes de produzí-la em nossos cérebros e em nossos laboratórios. O grande desafio é não atrapalhar nossos cérebros e nossos corpos com o uso exagerado da nossa tecnologia laboratorial, respeitando a beleza da fisiologia reprodutiva de nossa espécie, que funciona perfeitamente na grande maioria das vezes.
TEXTO INTERNET
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